Entenda porquê a vitória do sul-coreano na última segunda-feira (19/08) deixou tantos atletas impressionados. Já imaginou como seria jogar sem usufruir da sua audição?
A última segunda-feira (19/08) entrou pra história do tênis mundial! Onze títulos em torneios profissionais nível future, mais de 100 vitórias na carreira do circuito challenger, incluindo um vice-campeonato em Little Rock, o sul-coreano chegou a ocupar a 130º posição do ranking mundial em abril de 2017. E, agora, Lee Duckhee se torna o primeiro surdo a vencer uma partida no circuito ATP.
O jogo contra o suíço Henri Laakosonen (120º) terminou em dois sets a zero, parciais 7-6 (7-4) e 6-1. Agora Duckhee enfrentará o polonês Hubert Hurkacz (41º) na segunda rodada do campeonato de Winston-Salem, Carolina do Norte, nos Estados Unidos. Em caso de vitória ele poderá retomar uma posição entre os 200 primeiros do ranking.
Você já imaginou como seria jogar sem ouvir nada? Já parou pra pensar no quanto o som é importante no jogo de tênis? "Normalmente, não consigo ouvir nada. Apenas alguns ruídos ou se alguém gritar" afirmou o 212º colocado do ranking. A vitória do sul-coreano fez com que alguns outros grandes jogadores se questionassem a respeito, e seus comentários foram publicados pela ATP.
"Se eu jogasse com fones de ouvido seria muito difícil captar a velocidade da bola ou o spin que sai da raquete. Nós usamos muito os nossos ouvidos. Para escolher as melhores jogadas em quadra. Isso obviamente é uma grande desvantagem para ele. Por isso, ele precisa de muito esforço para conseguir fazer o que ele está fazendo.", disse o ex-número 1 do mundo, Andy Murray, quando questionado sobre as dificuldades de se jogar sem ouvir o som da batida, o quanto isso é determinante na escolha de jogadas e porquê isso engrandece o resultado de Lee.
Além de Murray, o norte-americano Tennys Sandgren, atual 73º do mundo, também fez seus comentários a respeito do jovem atleta. Afirmou: "Eu ganhei dele há alguns anos e ele veio até mim com o tradutor do Google aberto no celular, depois do jogo. E me perguntou 'Quais são as minhas fraquezas?'. Para alguém que é surdo e não fala bem o inglês, poder se expressar assim é muito legal. Eu não faria isso. Você aprende muito sobre o jogo do seu adversário com base no som da batida na bola. Se você não consegue ouvir, precisa ter uma habilidade insana e um talento insano."
Pensando pelo lado desses grandes atletas, realmente a ideia de jogar sem ouvir nada é perturbadora, afinal passaram a vida inteira treinando e podendo utilizar dos benefícios de se saber ouvir o jogo. A audição te ajuda a interpretar diversos aspectos da partida, como: tempo de bola, efeito usado pelo adversário, velocidade de batida e de reação, entre outros. E todas essas alternativas estão diretamente relacionadas à estratégia que será utilizada para buscar a vitória. Porém, Lee Duckhee nasceu surdo, ou seja, ele nunca usufruiu da audição como pilar de estratégia. Desde o começo ele aprendeu a jogar no silêncio.
Isso traz muitas dúvidas, mas uma coisa é certa: todas as pessoas que atingiram ou buscam o sucesso, e isso, é claro, inclui atletas, aprendem a fazer com que suas maiores dificuldades sejam seus maiores trunfos. Lee afirmou em entrevista para o site da ATP Tour que não conseguir ouvir o ajuda, pois significa que ele precisa se concentrar mais e com mais força.
Nessa mesma entrevista, o atleta foi questionado sobre as dificuldades de ser treinado e de entender o árbitro de cadeira, e contou: "Eu acho que nós conseguimos ler a mente um do outro. Mas quando minha equipe não está por perto, nós mandamos mensagens uns para os outros. Normalmente, eu não preciso me comunicar com o árbitro, exceto para decisões de bola 'dentro' e 'fora', então isso pode ser um pouco frustrante."
Interessante perceber que a deficiência auditiva não parece o atrapalhar de modo geral, pois não o impediu de desenvolver suas habilidades e chegar onde está. Como todos nós, amantes de tênis, o asiático também tem seus jogadores preferidos. Quando o perguntaram sobre, afirmou não ter apenas um. "Eu comecei a jogar porque queria ser como Roger Federer e amava seu estilo de jogo. Também admiro a paixão de Rafael Nadal, a justiça de Novak Djokovic e o esforço de Andy Murray. Também, Kei Nishikori pela maneira como ele representa a Ásia."
O Instituto Sul-americano de Tênis (ISAT) resolveu fazer sua própria experiência, o atleta Isaque Sarmento de 10 anos se dispôs a nos ajudar. E foi muito simples. Com base no comentário de Andy Murray, citado anteriormente, pedimos a Isaque que colocasse fones de ouvido, com uma música tocando em volume alto o suficiente para que ele não ouvisse qualquer outro som externo. Feito isso, ele e seu técnico Alexandre Girotto bateram bola por alguns minutos. O intuito era saber como ele se sentiria jogando sem usar os sons que normalmente nos são tão úteis.
"É estranho porque você não percebe quando a bola vem funda ou curta. Quando vem curta você demora a pegar, demora a pensar. É diferente!", foi o comentário do atleta após o experimento, afirmando o que imaginávamos. O principal fator é o tempo de reação, que passa a ser demarcado apenas por estímulo visual, sem a ajuda do auditivo. Temos o costume de utilizar o som da raquete do adversário para determinar o tipo de batida e a provável trajetória da bola, a partir daí já conseguimos planejar nosso movimento subsequente. Isso significa que, sendo surdo, Lee Duckhee precisou aprender a identificar detalhes com base na sua visão e percepção de movimento. Não é atoa que o atleta está sendo alvo de grandes elogios.
Em suas próprias palavras, o tênis "é a melhor oportunidade para se sobreviver em uma sociedade normal." Tendo percebido que era surdo aos 6 anos, Lee não permitiu que suas diferenças o impedissem de buscar uma carreira no tênis. O tenista mostrou que nada além de você mesmo, pode te impedir de alcançar os seus objetivos. Mais uma porta que se abre no mundo dos esportes!